“Nossa!! Essa criança não tem jeito!”
“Ele tem personalidade forte!”
“Aquela menina não para enquanto não consegue o que quer.”
“Dá logo o brinquedo pro seu irmão.”
“Não fala assim com ela!”
Muitas crianças chegam ao consultório trazendo a queixa de problema de comportamento, seja na escola ou em família. Na maioria dos casos os responsáveis buscam por um diagnóstico que justifique tal “problema”, mas não estão atentos aos estímulos que dão diante dessa queixa.
Vamos pensar num caso hipotético de uma menina de 4 anos, aproximadamente, que foi encaminhada pela escola por bater nos colegas. Ela entrou na escola há apenas seis meses, e há cerca de 15 dias começou a apresentar esse comportamento. A família estranha a queixa, argumentando que “ela é sempre tão carinhosa” e que não houve nenhuma mudança significativa na rotina familiar que justifique a mudança na escola. Seguem para a psicoterapia pra “entender o que se passa com ela”. Ao longo das sessões, a terapeuta percebe o quanto a criança é inflexível à compartilhar brincadeiras e resistente à frustrações. Tenta burlar regras dos jogos ou mesmo criar regras próprias mas não aceita nenhuma ideia sugerida pela terapeuta. Investigando mais um pouco, descobre-se que a mãe evita contrariá-la, antecipando toda e qualquer necessidade que a filha venha a ter. Na rotina do dia, ao acordar, tudo já está preparado. Café da manhã, material escolar, uniforme separado e o brinquedo favorito. Tudo prontinho. No retorno da escola, mais uma vez ela irá encontrar tudo pronto pra ela. E se pedir por algo que não esteja à disposição, prontamente mamãe e papai “darão um jeito” de buscar. À cada passeio, mesmo que seja na padaria para o café da tarde, um brinquedo novo. Se pede pela sobremesa antes da refeição principal “tudo bem!”. E se por ventura ousarem recusar algo pedido, cedem ao primeiro “Mas eu quero muito!” que a filha, delicadamente ou não, argumentar.
Essa atitude dos pais e familiares comumente é justificada pela crença de que a criança “não precisa sofrer”, ou então “não precisa passar vontade”, ou ainda “eu não gosto de vê-lo chorando”. E é aqui que eu queria chegar.
Todo comportamento é aprendido na convivência, primeiro entre familiares, em seguida no grupo social. É claro que cada caso deve ser analisado individualmente, mas aqui falo do que tenho observado na prática profissional. Considerando isso, quando uma criança chora, bate, briga, diante uma situação de recusa, não necessariamente ela está em sofrimento. O mais provável é que ela aprendeu a se comportar assim, à partir das experiências vividas anteriormente.
Uma criança à quem nada é negado não aprendeu a se comportar de forma adequada nessa situação. Muito provavelmente a primeira reação será chorar, pois essa foi a primeira forma de comunicação aprendida pela criança, ou seja, a mais familiar. Se, diante do choro, a família cede, a probabilidade dessa criança chorar numa nova experiência de recusa será muito grande, visto que funcionou da primeira vez. E assim sucessivamente.
Então, quando a família priva a criança de certos descontentamentos, pode acreditar estar poupando do sofrimento imediato – que como vimos anteriormente, nem sempre é sofrimento de fato – mas certamente, estará ocasionando um sofrimento muito maior na vida futura dessa criança.
A criança que chora porque quer algo, mas já sabe falar, deve ser ensinada a pedir, e aguardar a sua vez, quando necessário.
A criança que bate/morde, deve ser ensinada a conversar. Vale ensinar à ela a premissa “não faça aos outros o que não gostaria que fosse feito à você”. Enquanto criança pequena, o tapa pode não doer, mas à medida que a criança cresce, fica mais forte, e fica mais difícil aprender a manejar situações adversas.
Voltamos ao ponto chave: Essa criança vai crescer! E vai se comportar, por muito tempo de sua vida, da forma que aprendeu ali naquela infância. Por isso é importante que ela aprenda a lidar com as frustrações sem que precise ferir ou magoar a quem estiver próximo dela. E a família precisa estar atenta às reais necessidades e sofrimentos que possa envolver a questão do “problema” que a criança apresenta.
Muitas vezes o sofrimento real é daquele familiar, que se vê projetado na criança e a dor que ele quer evitar é a dele mesmo. Por não ter tido aquele desejo solicitado na sua infância, acaba suprindo através do filho/sobrinho/neto. Nesse caso não é a criança quem está no foco, mas é ela quem sofrerá as consequências à longo prazo.